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Dormiram ao relento, apanharam frio, calor e chuva,
tudo nas mesmas 24 (ou seriam 48?) horas. O movimento
Eu Acredito, composto por mais de três mil jovens,
de Lisboa, Coimbra e Porto, congregou-se em Fátima
para esperar a chegada do “peregrino da paz”.
Esta é a juventude do Papa.
Da estação de Santa Apolónia, em
Lisboa, partiram dois mil jovens, de madrugada em oito
comboios cheios. Às cinco da manhã, com
o peso das mochilas às costas, puseram-se a caminho
e viram o nascer do sol em Chão de Maçãs.
Ao meio-dia do dia 12 de maio, chegavam ao Santuário
de Fátima, onde os esperavam outros mil peregrinos
do norte do país.A GNR fez a escolta à entrada
da cidade e a revista das mochilas à entrada do
recinto. Com a roupa ainda húmida e os pés
enlameados, a mancha azul-turquesa do Eu Acredito começou
de imediato a marcar território no recinto do santuário.
Colchonetes, lancheiras, guarda-chuvas e sapatos, um verdadeiro
acampamento improvisado no chão duro. O sol apareceu,
os olhos cansados foram-se fechando à luz e ao
calor, a pele cada vez mais escaldada. Horas depois, os
helicópteros começam a sobrevoar o recinto.
A partir daí, foi uma prova de esforço e
de fé, até ao dia seguinte. O Papa chegou,
aclamado pela multidão, e com ele rebentam os primeiros
cânticos, ainda tímidos: “Esta é
a juventude do Papa!”. Mas Francisco dirigiu-se
em silêncio à Capelinha – e calaram-se
as vozes no santuário.
Não arredaram pé. Com o farnel de sobrevivência
à mão, o saco-cama e os impermeáveis,
deixaram-se ficar até à procissão
das velas. No escuro, com os cânticos a Maria a
encher o recinto, a recitação do terço
com o Papa, a noite iluminada com milhares de velas, o
tempo parou.
O símbolo daquilo que a Igreja é
“É das imagens mais bonitas de Fátima.
Este ano – eu costumo vir – com muito mais
gente, ainda mais emocionante fica. Como símbolo
daquilo que a Igreja é: uma noite escura e nós
temos velinhas e andamos a tentar descobrir uma luz por
aí”, descreve Vasco Cardoso, professor de
Filosofia do Colégio São João de
Brito, em Lisboa, que acompanha 75 alunos até Fátima.
O Papa retirou-se, celebrou-se a Missa e, já depois
da meia-noite, os jovens recolheram aos sacos-cama, ao
relento, para tentar dormir até à manhã
seguinte. No dia 13, as estrelas foram Francisco e Jacinta,
os “nossos pastorinhos”, diziam.“Cansados
mas felizes”, conta Júlio, estudante de Direito,
18 anos, do Porto. “Dormi quatro horas. Mas dormirmos
aqui foi uma coisa espetacular. Só acordar e ver
o santuário e estar aqui rodeado de tanta pessoa
é inesquecível. Deitei-me às duas
da manhã, sem me importar se ia dormir sete horas
ou seis”. “Não me posso esquecer do
frio”, ri-se. “E a chuva também. São
os ossos do ofício”.
O que via, quando olhava em volta? “Alegria. Disso
não há dúvida. E via-se, obviamente,
muita luz, não só no sentido literal”.
São Francisco, Santa Jacinta, os “nossos”
pastorinhos
No dia 13 de maio, o momento em que se ouve “São
Francisco” e “Santa Jacinta”, numa manhã
com um céu quase limpo, é recebido cá
em baixo, entre os jovens, com enorme emoção.
Maria Clara, 26 anos, estudante de Geologia, juntou-se
ao grupo já em Fátima na sexta-feira. No
sábado, já muito depois da noite ao relento,
revê o dia que passou. “Eu conhecia pouco
a história dos – agora – santos, mas
é impressionante. Sendo crianças, a própria
da Jacinta, que tinha tanto cuidado com os doentes e com
os que não acreditam, é impressionante”.
“Vejo as minhas sobrinhas de cinco anos e fico a
pensar: elas já rezam, já conseguem ter
este tipo de consciência. É mesmo muito bonito”.
Antes da chegada à Cova da Iria, durante o caminho
pelas estradas de Ourém, o jesuíta Ricardo
Dias, 33 anos, passou horas a cantar para distrair o corpo
do cansaço. Mal parava para ajeitar a roupa, já
os adolescentes mais afoitos tinham avançado 300
metros. De Guimarães, a dar aulas de Religião
no São João de Brito, em Lisboa, acompanhou
Vasco e o grupo de alunos do 11.º e 12.º anos.
Trocavam piadas pelo caminho. Os dois de barba e óculos,
gozavam que precisavam de “limpa para-brisas”
para os óculos e inventavam parvoíces para
entreter as crianças. Mais perto de Fátima,
revezavam-se com o coordenador da pastoral do colégio,
o padre Luís Onofre, como porta-estandartes da
bandeira do CSJB.
Gracinhas à parte, o caminho, diz Ricardo, foi
“muito profundo e discernido”. “ É
uma palavra que está muito aí a ser dita.
Em muitas das conversas que íamos tendo, quer de
forma mais individual quer a nível de grupo, os
alunos diziam-nos isso: que é uma experiência
que marca e que mexe muito cá dentro, e que põe
a pensar. Isso é muito bom”. E o que ficou,
das palavras do Papa? “Que Ela [Nossa Senhora] é
nossa Mãe e que com ela estamos seguros.”
E, U, A, C, R, E, D, I, T, O
No acampamento improvisado do Eu Acredito, a maioria dos
jovens não se conhece entre si. Juntam-se por grupos,
uns maiores, outros mais pequenos; há também
quem venha aos pares ou sozinho.
Paulo, estudante do 11º ano, veio do Porto. “O
caminho até aqui foi simples”, conta. “Foi
pequeno, interrompido duas ou três vezes por momentos
de oração em que líamos leituras
da Bíblia e refletíamos um bocado sobre
a vida no geral, quem somos, e quem temos à nossa
volta”. Os mil jovens que vieram do Porto chegaram
de autocarro a Santa Catarina da Serra, fazendo a pé
os cinco quilómetros finais até Fátima.
“Foi a primeira vez que vim a Fátima. Podia
ter vindo quando era pequeno, mas nunca tive essa hipótese.
Os meus pais nunca foram muito para aí virados”,
conta a rir-se. Sem filtros, de sorriso rasgado, Paulo
não esconde a alegria. “Estou a adorar, é
incrível. É a primeira vez e vejo logo o
Papa, assisto ao acenar dos lenços e das velas.
Foram dois momentos que passei incríveis. E inesquecíveis”.
Gonçalo Guimarães de 15 anos, também
veio do Porto. Queria ver o Papa, fazer novos amigos,
e rezar “um pouco mais”. O caminho, “para
quem fez Santiago de Compostela, é fácil”.
Em comum, todos têm as t-shirts azuis com as letras
E, U, A, C, R, E, D, I, T, O. O movimento nasceu em 2010,
com a visita do Papa Bento XVI a Portugal, por iniciativa
dos jovens de Schoenstatt, que quiseram juntar todos os
movimentos juvenis católicos numa só massa
para receber o agora Papa Emérito. Centros universitários
e colégios jesuítas, jovens do movimento
Comunhão e Libertação, do Opus Dei,
das Equipas de Jovens de Nossa Senhora, dos escuteiros,
das paróquias, unidos sob o mesmo propósito:
acompanhar o Papa, seja Ratzinger ou Bergoglio –
não é o indivíduo, é o sucessor
de Pedro que aqui se espera. Mas o protocolo não
tem nada de formal.
Os mais novos, longe dos pais, aproveitam para dar uma
de crescidos. Sem sapatos, de perna para o ar, espalham
o farnel pelo chão e exibem com orgulho as marcas
do cansaço, as meias furadas, até o escaldão.
Os mais velhos fingem não reparar, concentram-se
noutras coisas.
Texto de Matilde Torres Pereira, em www.rr.sapo.pt
Leia a reportagem na edição
do dia 21 de maio do Jornal VOZ DA VERDADE, disponível
nas paróquias ou em sua casa.
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