Exortação “Amoris laetitia”:
a alegria do amor na família
Foi publicada no dia 8 de Abril a Exortação
Apostólica pós-Sinodal do Papa Francisco sobre
a família. “Amoris laetitia”, a “Alegria
do Amor” é um texto de nove capítulos
no qual o Santo Padre recolhe os resultados de dois Sínodos
dos Bispos sobre a família ocorridos em 2014 e 2015
citando anteriores documentos papais, contributos de conferências
episcopais e de várias personalidades.
É uma Exortação Apostólica
ampla com mais de 300 parágrafos e que nos primeiros
7 evidencia a plena consciência da complexidade
do tema. Em particular, o Papa escreve que para algumas
questões ”em cada país ou região,
é possível buscar soluções
mais inculturadas, atentas às tradições
e aos desafios locais. De facto, “as culturas são
muito diferentes entre si e cada princípio geral
(…), se quiser ser observado e aplicado, precisa
de ser inculturado”.
Capítulo primeiro: “À luz da Palavra”
No primeiro capítulo o Papa articula a sua reflexão
a partir das Sagradas Escrituras, em particular, com uma
meditação acerca do Salmo 128, característico
da liturgia nupcial hebraica, assim como da cristã.
A Bíblia ”aparece cheia de famílias,
gerações, histórias de amor e de
crises familiares”(AL 8).
Capítulo segundo: “A realidade e os desafios
das famílias”
Partindo do terreno bíblico, o Papa considera
no segundo capítulo a situação actual
das famílias, mantendo ”os pés assentes
na terra” (AL 6) como se pode ler na Exortação.
A humildade do realismo ajuda a não apresentar
”um ideal teológico do matrimónio
demasiado abstracto, construído quase artificialmente,
distante da situação concreta e das possibilidades
efectivas das famílias tais como são”(AL
36). O matrimónio é “um caminho dinâmico
de crescimento e realização”. “Somos
chamados a formar as consciências, não a
pretender substituí-las”(AL37) refere o Papa
Francisco no seu texto, pois, Jesus propunha um ideal
exigente, mas ”não perdia jamais a proximidade
compassiva às pessoas frágeis como a samaritana
ou a mulher adúltera” (AL 38).
Capítulo terceiro: “O olhar fixo em Jesus:
a vocação da família”
O terceiro capítulo da Exortação
é dedicado a alguns elementos essenciais do ensinamento
da Igreja acerca do matrimónio e da família.
Em 30 parágrafos ilustra a vocação
à família de acordo com o Evangelho, assim
como ela foi recebida pela Igreja ao longo do tempo, sobretudo
quanto ao tema da indissolubilidade, da sacramentalidade
do matrimónio, da transmissão da vida e
da educação dos filhos. Fazem-se inúmeras
citações da Gaudium et spes do Vaticano
II, da Humanae vitae de Paulo VI, da Familiaris consortio
de João Paulo II.
O Papa Francisco neste capítulo terceiro lembra
um princípio geral importante: “Saibam os
pastores que, por amor à verdade, estão
obrigados a discernir bem as situações”
(Familiaris consortio, 84). O grau de responsabilidade
não é igual em todos os casos, e podem existir
factores que limitem uma capacidade de decisão.
Por isso, ao mesmo tempo que se exprime com clareza a
doutrina, há que evitar juízos que não
tenham em conta a complexidade das diferentes situações
e é preciso estar atentos ao modo como as pessoas
vivem e sofrem por causa da sua condição”
(AL 79).
Capítulo quarto: “O amor no matrimónio”
O amor no matrimónio é o título
do quarto capítulo desta Exortação
e ilustra-o a partir do “hino ao amor” de
S. Paulo na Primeira Carta aos Coríntios (1 Cor
13, 4-7). Este capítulo desenvolve o carácter
quotidiano do amor que se opõe a todos os idealismos:
”não se deve atirar para cima de duas pessoas
limitadas o peso tremendo de ter que reproduzir perfeitamente
a união que existe entre Cristo e a sua Igreja,
porque o matrimónio como sinal implica um processo
dinâmico, que avança gradualmente com a progressiva
integração dos dons de Deus” (AL 122).
Também neste capítulo uma reflexão
sobre o amor ao longo da vida e da sua transformação.
Pode-se ler no documento: “Não é possível
prometer que teremos os mesmos sentimentos durante a vida
inteira; mas podemos ter um projecto comum estável,
comprometer-nos a amar-nos e a viver unidos até
que a morte nos separe, e viver sempre uma rica intimidade”
(AL 163).
Capítulo quinto: “O amor que se torna fecundo”
O capítulo quinto desta Exortação
Apostólica foca-se sobre a fecundidade, do acolher
de uma nova vida, da espera própria da gravidez,
do amor de mãe e de pai. Mas também da fecundidade
alargada, da adopção, do acolhimento da
contribuição das famílias para a
promoção de uma “cultura do encontro”,
da vida na família em sentido amplo, com a presença
de tios, primos, parentes dos parentes, amigos. A “Amoris
laetitia” não toma em consideração
a família ”mononuclear”, mas está
bem consciente da família como rede de relações
alargadas. A própria mística do sacramento
do matrimónio tem um profundo carácter social
(cf. AL 186). E no âmbito desta dimensão
social, o Papa sublinha em particular tanto o papel específico
da relação entre jovens e idosos, como a
relação entre irmãos como aprendizagem
de crescimento na relação com os outros.
Capítulo sexto: “Algumas perspectivas pastorais”
No capítulo sexto da exortação o
Papa aborda algumas vias pastorais que orientam para a
edificação de famílias sólidas
e fecundas de acordo com o plano de Deus. Em particular,
o Papa observa que ”os ministros ordenados carecem,
habitualmente, de formação adequada para
tratar dos complexos problemas actuais das famílias”
(AL 202). Se, por um lado, é necessário
melhorar a formação psicoafetiva dos seminaristas
e envolver mais a família na formação
para o ministério (cf. AL 203), por outro ”pode
ser útil também a experiência da longa
tradição oriental dos sacerdotes casados”
(AL 202).
Também neste sexto capítulo uma importante
referência à preparação para
o matrimónio e do acompanhamento dos esposos nos
primeiros anos da vida matrimonial (incluindo o tema da
paternidade responsável), mas também em
algumas situações complexas e, em particular,
nas crises, sabendo que ”cada crise esconde uma
boa notícia, que é preciso saber escutar,
afinando os ouvidos do coração” (AL
232).
Espaço neste capítulo para o acompanhamento
das pessoas abandonadas, separadas ou divorciadas. É
colocado em relevo o sofrimento dos filhos nas situações
de conflito. Ao mesmo tempo é reiterada a plena
comunhão na Eucaristia dos divorciados e em relação
aos divorciados recasados é reforçada a
sua “comunhão eclesial” e o acompanhamento
das suas situações que não deve ser
visto como uma debilidade da indissolubilidade do matrimónio
mas uma expressão de caridade.
Referidas também as situações dos
matrimónios mistos e daqueles com disparidade de
culto, e a situação das famílias
que têm dentro de si pessoas com tendência
homossexual, insistindo no respeito para com elas e na
recusa de qualquer discriminação injusta
e de todas as formas de agressão e violência.
No final do capítulo uma especial nota para o tema
da perda das pessoas queridas e também da viuvez.
Capítulo sétimo: “Reforçar
a educação dos filhos”
O capítulo sétimo é integralmente
dedicado à educação dos filhos: a
sua formação ética, o valor da sanção
como estímulo, o realismo paciente, a educação
sexual, a transmissão da fé e, mais em geral,
a vida familiar como contexto educativo. É ressaltado
pelo Santo Padre que “o que interessa acima de tudo
é gerar no filho, com muito amor, processos de
amadurecimento da sua liberdade, de preparação,
de crescimento integral, de cultivo da autêntica
autonomia” (AL 261).
A secção dedicada à educação
sexual intitula-se muito expressivamente: «Sim à
educação sexual». Sustenta-se a sua
necessidade e formula-se a interrogação
de saber ”se as nossas instituições
educativas assumiram este desafio (…) num tempo
em que se tende a banalizar e empobrecer a sexualidade”.
A educação sexual deve ser realizada ”no
contexto duma educação para o amor, para
a doação mútua” (AL 280) –
lê-se na Exortação. É feita
uma advertência em relação à
expressão ”sexo seguro”, pois transmite
”uma atitude negativa a respeito da finalidade procriadora
natural da sexualidade, como se um possível filho
fosse um inimigo de que é preciso proteger-se.
Deste modo promove-se a agressividade narcisista, em vez
do acolhimento”. (AL 283).
Capítulo oitavo: “Acompanhar, discernir
e integrar a fragilidade”
O capítulo oitavo faz um convite à misericórdia
e ao discernimento pastoral diante de situações
que não correspondem plenamente ao que o Senhor
propõe. O Papa usa aqui três verbos muito
importantes: ”acompanhar, discernir e integrar”,
os quais são fundamentais para responder a situações
de fragilidade, complexas ou irregulares. Em seguida,
apresenta a necessária gradualidade na pastoral,
a importância do discernimento, as normas e circunstâncias
atenuantes no discernimento pastoral e, por fim, aquela
que é por ele definida como a ”lógica
da misericórdia pastoral”.
As situações ditas de irregulares devem
ter um discernimento pessoal e pastoral e – segundo
a Exortação – “os baptizados
que se divorciaram e voltaram a casar civilmente devem
ser mais integrados na comunidade cristã sob as
diferentes formas possíveis”.
Em particular, o Santo Padre afirma numa nota de pé
de página que “em certos casos poderá
existir também a ajuda dos sacramentos”,
recordando que o confessionário não deve
ser uma sala de tortura e que a Eucaristia “não
é um prémio para os perfeitos, mas um alimento
para os débeis”.
Mais em geral, o Papa profere uma afirmação
extremamente importante para que se compreenda a orientação
e o sentido da Exortação: ”é
compreensível que não se devia esperar do
Sínodo ou desta Exortação uma nova
normativa geral de tipo canónico, aplicável
a todos os casos. É possível apenas um novo
encorajamento a um responsável discernimento pessoal
e pastoral dos casos particulares, que deveria reconhecer:
uma vez que “o grau de responsabilidade não
é igual em todos os casos, as consequências
ou efeitos duma norma não devem necessariamente
ser sempre os mesmos” (AL 300).
O Papa desenvolve em profundidade as exigências
e características do caminho de acompanhamento
e discernimento em diálogo profundo entre fiéis
e pastores. A este propósito, faz apelo à
reflexão da Igreja ”sobre os condicionamentos
e as circunstâncias atenuantes” no que respeita
à imputabilidade das acções e, apoiando-se
em S. Tomás de Aquino, detém-se na relação
entre «as normas e o discernimento», afirmando:
Ӄ verdade que as normas gerais apresentam
um bem que nunca se deve ignorar nem descuidar, mas, na
sua formulação, não podem abarcar
absolutamente todas as situações particulares.
Ao mesmo tempo é preciso afirmar que, precisamente
por esta razão, aquilo que faz parte dum discernimento
prático duma situação particular
não pode ser elevado à categoria de norma”
(AL 304).
Espaço ainda neste capítulo para a lógica
da misericórdia pastoral e para o convite do Papa
Francisco nas suas palavras finais: «Convido os
fiéis, que vivem situações complexas,
a aproximarem-se com confiança para falar com os
seus pastores ou com leigos que vivem entregues ao Senhor.
Nem sempre encontrarão neles uma confirmação
das próprias ideias ou desejos, mas seguramente
receberão uma luz que lhes permita compreender
melhor o que está a acontecer e poderão
descobrir um caminho de amadurecimento pessoal. E convido
os pastores a escutar, com carinho e serenidade, com o
desejo sincero de entrar no coração do drama
das pessoas e compreender o seu ponto de vista, para ajudá-las
a viver melhor e reconhecer o seu lugar na Igreja»
(AL 312).
Capítulo nono: “Espiritualidade conjugal
e familiar”
O nono capítulo é dedicado à espiritualidade
conjugal e familiar, ”feita de milhares de gestos
reais e concretos” (AL 315). Diz-se com clareza
que ”aqueles que têm desejos espirituais profundos
não devem sentir que a família os afasta
do crescimento na vida do Espírito, mas é
um percurso de que o Senhor Se serve para os levar às
alturas da união mística” (AL 316).
Tudo, ”os momentos de alegria, o descanso ou a festa,
e mesmo a sexualidade são sentidos como uma participação
na vida plena da sua Ressurreição”
(AL 317).
No parágrafo conclusivo, o Papa afirma: ”Nenhuma
família é uma realidade perfeita e confeccionada
duma vez para sempre, mas requer um progressivo amadurecimento
da sua capacidade de amar. (…). Todos somos chamados
a manter viva a tensão para algo mais além
de nós mesmos e dos nossos limites, e cada família
deve viver neste estímulo constante. Avancemos,
famílias; continuemos a caminhar! (…). Não
percamos a esperança por causa dos nossos limites,
mas também não renunciemos a procurar a
plenitude de amor e comunhão que nos foi prometida”
(AL 325).
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