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A justificada importância que a
Igreja atribui ao tempo da Quaresma pode acabar por fazer
com que deixemos para segundo plano o facto de que o objetivo
desse tempo privilegiado é o da celebração
da Páscoa do Senhor a Paixão, Morte e Ressurreição
de Jesus Cristo.
Antes do mais, a mudança de vida
que os tempos reclamam não é apenas individual.
Sendo, sem dúvida, também individual, a
mudança tem de abranger grupos e instituições,
comportamentos e critérios de ação
tudo no sentido de remover as causas que conduziram à
crise, evitar novas crises semelhantes, e renovar a solidariedade
e a justiça social no seio da sociedade portuguesa.
Amplos sectores da população
portuguesa debatem-se com problemas elementares de subsistência,
suscitados pela crise e pelas drásticas políticas
de austeridade introduzidas pelo Governo. É sabido
que essas medidas não atingem todos da mesma maneira
e que alguns indivíduos e grupos mantêm a
vida folgada que tinham antes da crise, quando muito com
modificações mínimas e insignificantes.
Quer isto dizer que, se bem que a redistribuição
do rendimento e da riqueza não seja, por si só,
a «solução» para o problema,
é, sem dúvida uma medida necessária.
Sabemos como os governos se veem limitados para reforçar
práticas redistributivas. Razões objetivas,
subjetivas e ideológicas cerceiam fortemente políticas
que reduzam a riqueza e os rendimentos mais avultados.
Os debates havidos neste domínio, quer no país
quer no âmbito das instituições europeias,
têm sido suficientemente expressivos para que se
não devam esperar, pelo menos no imediato, como
é necessário, medidas de forte impacte redistributivo.
Neste contexto, ninguém está
isento de trabalhar por medidas mais justas e eficazes,
designadamente no sentido de uma decidida promoção
do crescimento económico, dependente não
só do Estado mas também da iniciativa privada,
e de suscitar por parte dos órgãos próprios
da EU medidas compatíveis com as respectivas responsabilidades.
Entretanto, há que apelar às consciências,
para que, por via de comportamentos voluntários,
individuais e de grupo, da sociedade civil, se faça
aquilo que o Governo e a Assembleia da República
se não dispõem a fazer. E que às
demais tentações se não acrescente
a que segreda que só valem donativos vultuosos
que resultam da mobilização da sociedade
integral. Entende a CNJP que em matéria de distribuição
de recursos no nosso país, os critérios
éticos exigem dos possidentes muito mais do que
aquilo que legalmente lhes tem sido exigido. Ao dizê-lo,
temos subjacente a noção de que o verdadeiro
conceito de caridade pressupõe o cumprimento da
justiça.
(...)
A atenção aos outros e a ponderação
dos problemas que se nos deparam devem servir de critério
para revermos o nosso estilo de vida. É sabido
que o modelo económico e financeiro que desembocou
na crise que atravessamos se caracterizou, além
do mais, pelo «consumismo». Uma das consequências
desse tipo de cultura foi a de «viver para além
das posses», com recurso a operações
de crédito fácil, estimuladas pelas instituições
financeiras. Porém, um outro aspeto, não
menos grave, foi o da generalização de um
modelo de felicidade centrado em bens de consumo (coisas),
os quais vieram progressivamente ocupando o lugar de dimensões
verdadeiramente humanas da felicidade. Do mesmo passo,
as sociedades ocidentais (e não só) viveram
as últimas décadas sob uma forte exaltação
do «individualismo», ou seja, sob um grave
défice da «atenção aos outros».
Todos estaremos mais ou menos afetados
por esse individualismo consumista, que agora se confronta
com duas propostas sérias. A primeira consiste
no abandono do consumismo e na busca de um modelo de felicidade
que tenha autenticidade humana. A segunda está
na chamada de «atenção aos outros»
feita pelo Papa Bento XVI, querendo significar uma atitude
de “observar bem, estar atento, olhar conscienciosamente,
dar-se conta de uma realidade”, incluindo não
só o bem material, mas também o bem espiritual
dos outros. Se bem que distintas, são ideias estreitamente
relacionadas entre si.
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