CARTA DO PRIOR GErAL DA ORDEM DO CARMONA SOLENIDADE DE NOSSA SENHORA DO CARMO – 2019
Queridos irmãos e irmãs da família carmelita:
Mais um ano e aproxima-se a solenidade de Nossa Senhora do Carmo e, por isso, quero enviar-vos
uma cordial saudação a todos os que, de uma maneira ou de outra, fazeis parte da grande família do Carmelo. Nestas datas não só recordamos e celebramos a Mãe do Senhor sob a invocação entranhável do Carmelo, mas também nos sentimos parte de uma família que vive a sua fé com essa dimensão especial “como carmelitas” ao serviço da Igreja e da humanidade.
Este ano a minha saudação tem um tom especial já que, depois de doze anos ao serviço da Ordem
como Prior Geral, proximamente deixarei este cargo no Capítulo Geral que celebraremos em Sassone,
(Roma, Itália) de 9 a 29 de Setembro. E esta é primeira mensagem que quero enviar-vos este ano: que
todos (religiosos, monjas contemplativas, religiosas de vida activa, terceiros, leigos dos diversos
grupos, etc.) nos sintamos muito unidos na oração para que o Capítulo Geral seja um tempo de graça,
de reflexão profunda, de discernimento e de fraternidade. O tema que escolhemos para o nosso
Capítulo, como já provavelmente sabeis, é: “Vós sois minhas testemunhas” (Is 43,10); através das
gerações: chamados a ser fiéis ao nosso carisma carmelita. Este tema que se propôs tem a ver com o
facto da Ordem ter crescido muito nas últimas décadas geograficamente. Este crescimento foi uma
verdadeira bênção para a Ordem e um motivo de alegria para todos nós. Mas estas “missões” ou novas presenças supõem também um desafio, sobretudo no que diz respeito à formação dos futuros
carmelitas, uma formação que deverá conciliar o específico das culturas locais com a tradição mais
genuína da Ordem à qual devemos ser fiéis e da qual devemos ser transmissores.
Trata-se, sem dúvida, de um desafio fascinante, mas também complexo. Assim sendo, é uma
responsabilidade que devemos enfrentar com muita seriedade, já que disso dependerá em grande parte
a configuração e a vitalidade do Carmelo do século XXI. Por isso é importante que o nosso Capítulo
discuta esta questão (entre outras) com profundidade, com critérios evangélicos, com seriedade e com
generosidade.
O Capítulo Geral terá também a tarefa da revisão das Constituições da qual foi encarregue pelo
Capítulo de 2013. Como já repeti nas mais diversas ocasiões, não se trata de elaborar umas novas
Constituições, mas sim introduzir alguns aspectos que estavam ausentes (e dos quais fomos tomando
consciência ao longo do tempo) ou de acrescentar algumas referências aos últimos documentos oficiais
da Igreja, ou de organizar melhor alguns números que – com o passar do tempo – possam ter ficado
desfasados ou tornaram-se insuficientes para as novas problemáticas e desafios da nossa sociedade.
Não é necessário referir a importância que tem esta tarefa. As Constituições não são apenas um
documento jurídico ou administrativo, mas devem mostrar o que somos e, ainda mais, o que queremos
ser. Não são normas vazias e desencarnadas, fruto de um legalismo desatualizado, mas que mostram o
nosso humilde empenho em viver como Carmelitas do século XXI que – com alegria, com
generosidade, com criatividade – põem-se ao serviço da Igreja e da Evangelização. Além disso, mesmo
que afectem directamente os religiosos, de certa maneira também influenciam a vitalidade de toda a
família carmelita.
Além disso, o Capítulo deverá eleger os irmãos que animarão a vida da Ordem nos próximos seis
anos. Já a partir de agora, colocamo-nos numa atitude de colaboração generosa e afectiva com os
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irmãos que serão eleitos para esta delicada tarefa e que assumirão o desafio de dirigir a Ordem para
que seja cada vez mais fiel à sua missão e ao carisma recebido.
Em muitas ocasiões sublinhei a importância da nossa estrutura capitular, própria das ordens
mendicantes. Não é apenas um modo de organização ou administração (tão válido como outros), mas
que implica toda uma “cultura capitular” e, ainda mais, uma “espiritualidade capitular”.
Inclusivamente esta dinâmica capitular implica uma teologia, uma forma de entender os sinais dos
tempos nos quais Deus se manifesta, uma forma de entender o discernimento espiritual, a autoridade, a
sinodalidade, etc.
Por isso, nas festividades que vamos celebrar, tende muito em conta esta intenção diante da Mãe e
Irmã, diante da Estrela do Mar, que nos guiou e acompanhou durante oito séculos e que, sem dúvida,
continuará a fazê-lo agora que entramos neste terceiro milénio, cheio de desafios, de necessidades de
todo o tipo e também de esperanças. Da oração sincera e fraterna de todos nós, dependerá em grande
medida o êxito do nosso Capítulo Geral!
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Queria também aproveitar esta carta por ocasião da festividade da Nossa Mãe do Carmo para
partilhar convosco alguns sentimentos ao terminar o meu tempo como Prior Geral da Ordem. Permiti
estas notas pessoais sem grandes pretensões e feitas num tom fraterno e informal.
Se tivesse que destacar o que sinto neste momento, a palavra que melhor o expressaria é “gratidão”.
Gratidão ao Senhor por me ter chamado ao Carmelo e por ter tido a oportunidade (uma enorme honra)
de servir os irmãos a nível internacional; gratidão pelas belas experiências de fraternidade, de missão,
de serviço e de solidariedade que tive oportunidade de conhecer durante estes anos. Confesso-vos que
(sem negar os problemas, as carências e as dificuldades que houve durante estes anos), foram poucas
as ocasiões em que não senti o orgulho profundo de ser carmelita e de pertencer a esta família. Não
quero destacar nenhuma experiência concreta (seriam tantas!), mas posso-vos dizer que muitos
carmelitas, com o seu trabalho generoso, alegre, simples, sem muita publicidade e inclusivamente de
forma quase anónima... edificaram-me e enriqueceram-me, ajudaram-me a seguir caminhando e
renovaram-me na minha vocação. Por todos eles, pelas nossas irmãs contemplativas, pelas religiosas
de vida activa que se entregam ao ensino, às missões, aos doentes, pelos nossos leigos que muitas
vezes vivem com enorme entusiasmo e generosidade a sua pertença ao Carmelo... Vale a pena
continuar a semear e a seguir crescendo como carmelitas do século XXI.
Também quero pedir-vos desculpas aos que em algum momento se tenham sentido decepcionados
ou aos que esperavam algo diferente. Os que me conheceis bem, sabeis que este pedido de desculpas
não é um formalismo, um género literário que se utiliza no final de uma missão, mas que o digo do
fundo do coração.
O Carmelo continua com processos muito diversos nas diferentes zonas do mundo onde estamos.
Enquanto que a Ásia se tornou a maior zona geográfica da Ordem, a Europa e a América do Norte
vêem-se imersas num processo, que já dura há várias décadas, da falta de vocações e de uma
diminuição alarmante das nossas províncias. A América Latina continua a crescer num ritmo
sustentado e as jovens presenças em África, apesar da sua fragilidade, vão-se consolidando e deixam
transparecer um futuro prometedor.
Em cada caso a estratégia da Ordem deve ser diferente. O governo geral não deve agir apenas a
partir dos critérios ou a partir da conjuntura de uma determinada zona geográfica. Seria frustrante
deixarmo-nos levar pelo pessimismo, ignorando que há zonas no mundo onde o Carmelo cresce com
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muita força. Seria irresponsável ignorar que há carências e dificuldades pela falta de pessoas (e que
isso supõe reestruturar as nossas presenças) noutras zonas do mundo. Apesar da Cúria Geral estar em
Roma, em Itália, na Europa... é a Cúria de toda a Ordem, na sua riqueza e diversidade.
Mas, em todo o caso, em todos estes processos devemos manter um estilo evangélico, próprio de
homens de fé que agem movidos por outros valores. Com muita humildade, realismo, coragem e
esperança, sentimo-nos orgulhosos e agradecidos dessa internacionalidade, dessa diversidade de
culturas e línguas que consideramos uma bênção e uma enorme riqueza e assumirmos o desafio de
oferecer e partilhar o carisma carmelita com todos.
Neste sentido tentei manter durante todos estes anos um são equilíbrio entre a presença activa em
Roma e a presença nas periferias da Ordem (usando uma expressão tão querida do Papa Francisco),
onde a vida eclesiástica se pode ver com outras sensibilidades, com outros tons e outras matizes, o que
(indubitavelmente) enriquece e completa o nosso serviço à Igreja universal. Para isso contei com a
ajuda inestimável dos diversos conselheiros e do Pe. Christian Körner, Vice-Geral que manteve com
grande generosidade e eficácia a actividade da Cúria. Também foram uma grande ajuda para manter
esse contacto com as diversas realidades vivas da família carmelita, tanto o Procurador Geral, como o
Delegado das Monjas, o Webmaster e a Procuradora Geral. A todos eles dirijo a minha mais sincera
gratidão.
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Por fim, e como costumo fazer todos os anos, gostaria de recordar-vos alguns aniversários que
celebramos este ano, que não deixam de ser significativos para a nossa história e identidade (sobretudo
no que se refere à dimensão mariana do carisma) e que, por sua vez, nos projectam para um futuro
cheio de desafios.
Em primeiro lugar quero referir o primeiro centenário da coroação canónica da imagem de Nossa
Senhora do Carmo de Recife, que ao mesmo tempo foi nomeada Padroeira da cidade e da Província
Eclesiástica de Pernambuco, no nordeste do Brasil. Acho que não estou a exagerar se disser que se
trata da festa de Nossa Senhora do Carmo mais multitudinária do mundo. Cada ano, por ocasião da
solenidade do 16 de Julho, centenas de milhares de pessoas participam com grande devoção nas
celebrações e na procissão em honra de Nossa Senhora do Carmo. A poucos quilómetros de Recife
encontra-se o Convento de Olinda, considerado a primeira fundação Carmelita do continente
americano cuja restauração e nova dedicação celebrámos solenemente há alguns anos.
Esta profunda ligação entre a missão e uma sã devoção mariana deve-nos motivar para continuar a
trabalhar nos nossos dias nesta mesma linha. A piedade popular mariana não pode alhear-nos da
missão fundamental do cristão de anunciar a boa notícia da salvação, sobretudo, essa piedade - se é
autêntica - envia-nos, interpela-nos e lança-nos para sermos testemunhas do Evangelho e a vivê-lo com
gratidão e generosidade.
Felicidades à Província Carmelita Pernambucana e a todo o Carmelo brasileiro por este centenário e
que a Nossa Mãe do Carmo faça crescer a Ordem e a família carmelita naquelas terras,
Em segundo lugar quero destacar que - como já sabeis através das comunicações oficiais da Ordem
- estão a começar as comemorações do oitavo centenário da morte de Santo Ângelo da Sicília para as
quais se estão a organizar uma série de celebrações religiosas e culturais que se realizarão nos
próximos meses. Santo Ângelo é, sem dúvida, uma das figuras proeminentes dos primeiros tempos da
história da nossa Ordem. Pelos escassos dados que temos sobre a sua vida, sabemos que, com toda a
probabilidade, veio da Terra Santa (de facto também é conhecido como Santo Alberto de Jerusalém) e
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que dedicou a sua vida à pregação. Também costuma associar-se, inclusivamente iconograficamente,
com São Domingos de Gusmão e com São Francisco de Assis, destacando assim a inclusão do
Carmelo entre as ordens mendicantes.
A figura de Santo Ângelo convida-nos a uma pregação genuinamente evangélica (precisamente
agora que nos preparamos para celebrar a Novena em honra de Nossa Senhora do Carmo) e recorda-
nos as nossas origens na Terra Santa, na terra do Senhor. Que a celebração deste centenário nos ajude
na nossa missão e nos faça, também a nós, anunciadores do Mistério da Salvação. Felicidades para o
Carmelo universal e especialmente para o Carmelo italiano por este centenário, bem como para a
cidade de Licata que guarda zelosamente a memória deste santo Carmelita.
Este ano também celebramos os 50 anos da restauração da Província Britânica, uma das mais
antigas da Ordem que foi suprimida no século XVI depois da ruptura no tempo de Henrique VIII. Por
este motivo celebrarei ali (em Aylesford e a seguir em Gales, um dos lugares onde os carmelitas
irlandeses começaram o seu trabalho da restauração) a Solenidade de Nossa Senhora do Carmo deste
ano. A Província (conhecida agora como Britannia Maioris) está dedicada à Assunção da Virgem
Maria, o mistério mariano que nos recorda que a Virgem que nos precede no caminho e que Ela é
oferta e garantia desse chamamento universal à salvação. Em países de minoria católica, mas também
em todo o mundo, a Igreja, hoje, pede-nos um esforço para viver com autenticidade a nossa devoção
Mariana, com sensibilidade ecuménica e com a mesma humildade que tornou grande Maria (Lc 1, 48-
49). Talvez nestes países se torne realidade, de uma forma mais evidente, que Deus actua no pequeno e
que, só a partir do pequeno, se pode construir o Seu Reino. Por este motivo quero felicitar a Província
Britânica por este aniversário e a Província da Irlanda que, com grande generosidade, embarcou nesta
aventura de restaurar o Carmelo da Grã-Bretanha.
Por fim quero também referir a celebração dos 25 anos da beatificação de Isidoro Bakanja, o jovem
congolês que foi espancando selvaticamente por se negar a renunciar à sua fé e a tirar o escapulário de
Nossa Senhora do Carmo que levava ao pescoço e que para ele era um símbolo visível da fé que
professava. Além disso, aquele escapulário acabava por ser como que uma pequena recordação do seu
baptismo, que o levou a uma atitude heróica de perdoar a quem o tinha ferido mortalmente, levou-o,
definitivamente, ao testemunho sublime da caridade evangélica levada ao grau supremo, o martírio. O
seu testemunho, proposto à Igreja há 25 anos na solene beatificação que teve lugar em Roma, deve
continuar a ser para nós hoje uma verdadeira inspiração. Os humildes, como Isidoro, mostram-nos o
mais genuíno e o mais autêntico da nossa devoção mariana.
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Em 2020, será o novo Prior geral que assinará esta carta de felicitações por ocasião da festa de
Nossa Senhora do Carmo, Nossa Mãe e Irmã, a Domina loci que está no centro das nossas vidas e que
nos inspira e anima a viver o nosso carisma carmelita ao serviço do Evangelho, do povo de Deus e de
toda a humanidade.
Desde já desejamos-lhe tudo de bom e um frutífero serviço à família do Carmelo. Pomos sob a
protecção de Maria, tanto o Capítulo Geral, como o próximo sexénio. Ela saberá guiar-nos com doçura
e com afecto e – como Stella Maris – nos mostrará o caminho da salvação ao qual Ela, Maria de
Nazaré, entregou a sua vida inteira.
Um forte abraço para todos e... felicidades!