Andrea Tornielli, diretor editorial da Secretaria para a Comunicação do Vaticano, assinala, numa nota divulgada pela Santa Sé, que os últimos 12 meses, em particular, ficaram marcados “pelo flagelo dos abusos e pelo sofrimento de alguns ataques internos”, protagonizados inclusivamente por cardeais.
“Um olhar ao ano que acaba de passar não pode ignorar o ressurgimento do escândalo dos abusos e das divisões internas que levaram o ex-núncio Carlo Maria Viganò, em agosto de 2018, precisamente quando Francisco celebrava a Eucaristia com milhares de famílias em Dublin, repropondo a beleza e o valor do matrimónio cristão, a pedir publicamente a renúncia do Papa por causa da gestão do caso McCarrick”, recorda o jornalista italiano.
O antigo arcebispo de Washington, acusado de abusos sexuais, viria a deixar o Colégio Cardinalício e a ser demitido do estado clerical, por “uso impróprio da confissão e violações do Sexto Mandamento do Decálogo com menores e adultos, com a agravante de abuso de poder”.
Há menos de um mês, o Papa convocou uma inédita cimeira mundial, com presidentes de conferências episcopais e responsáveis de institutos religiosos, sobre a proteção de menores na Igreja e a crise dos abusos sexuais.“Para o Papa Francisco, o fundamental é a conversão dos corações que nasce ao ouvir as vítimas”, sustenta o porta-voz do Vaticano, Alessandro Gisotti.
Francisco apelou a uma luta “total” e global perante crise à espera de respostas que superem resistências e receios dos responsáveis católicos; no final de fevereiro, o pontífice proibiu o cardeal George Pell, ex-prefeito da Secretaria para a Economia da Santa Sé, do exercício público do ministério, após este ter sido condenado em primeira instância por um tribunal australiano da acusação de abusos sexuais contra menores.
Este é um tema decisivo para a avaliação do pontificado, sobretudo no que diz respeito à sua aposta no envolvimento dos episcopados locais em processos efetivos de decisão; o Papa procura implicar toda a Igreja com a realização sucessiva de Sínodos (o quarto será já em outubro, sobre a Amazónia) e um olhar global sobre os desafios da humanidade.
Face ao crescimento de nacionalismos e populismos, Francisco tem proposto uma Igreja de “portas abertas”, que compara a um “hospital de campanha”, principalmente preocupada com as periferias sociais, económicas e existenciais.
O primeiro Papa sul-americano tem deixado gestos simbólicos como as viagens a Lampedusa e Lesbos, a abertura da Porta Santa do Jubileu da Misericórdia em Bangui (República Centro-Africana), as passagens por prisões e campos de refugiados, a Missa junto à fronteira México-EUA, a aproximação a China com o acordo assinado em 2018 ou a primeira viagem de um pontífice à Península Arábica.
Aos católicos, Francisco tem recordado convicção de que Deus ama todos, sem distinção, propondo uma “revolução da ternura”, na certeza de que a divisão não supera qualquer dificuldade. O atual pontificado foi retratado num filme de Wim Wenders, ‘Pope Francis – A Man of His Word’, no qual se resumem os “principais desafios globais de hoje” a que Francisco quer ajudar a responder: a morte, a justiça social, a imigração, a ecologia, as desigualdades, o materialismo ou o papel da família.
A obra apresenta Papa nalgumas das viagens internacionais, incluindo a passagem pelo Santuário de Fátima, em 2017, onde canonizou os pastorinhos Francisco e Jacinta Marto; Portugal espera um regresso de Francisco, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude de 2022, que se vai realizar em Lisboa.
O Papa tem proposto uma mudança do paradigma económico e financeiro internacional, como tinha deixado bem vincado na exortação ‘Evangelii Gaudium’ ou no seu discurso em Estrasburgo, perante o Parlamento Europeu, em defesa da democracia face ao poder dos mercados.
Com a encíclica ‘Laudato si’, Francisco abriu as fronteiras do seu discurso e colocou a Igreja Católica na liderança do movimento mundial para a defesa do ambiente, congregando à sua volta apoios das mais diversas proveniências.O Papa tem estado próximo dos mais pobres e excluídos, na defesa de uma globalização mais plural, que respeite a identidade de todos e os excluídos, um discurso marcado pela vivência no Sul do mundo.
O primeiro pontífice da América Latina tem mostrado preocupação com a situação do Velho Continente, desejando uma ‘refundação da Europa’, particularmente necessária perante as crises de refugiados e do terrorismo internacional.
O Papa tem repetido mensagens em favor da paz nas várias regiões do mundo afetadas por conflitos, assumindo a defesa dos cristãos no Médio Oriente e criticando quem justifica ataques terroristas com as suas convicções religiosas.
Internamente, a reforma da Cúria Romana, com a ajuda de um Conselho de Cardeais dos cinco continentes, já levou à criação de dois dicastérios (Leigos, a Família e a Vida; para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral) e de novas medidas para a administração económico-financeira da Santa Sé e do Estado do Vaticano.
O cardeal Jorge Mario Bergoglio foi eleito como sucessor de Bento XVI a 13 de março de 2013, após a renúncia do agora Papa emérito, assumindo o inédito nome de Francisco; é também o primeiro Papa jesuíta na história da Igreja.
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