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Um dos especialistas que trabalhou na elaboração
do documento preparatório do Sínodo dos
Bispos 2018, dedicado aos jovens, assegurou que a juventude
procura “testemunhos autênticos, verdadeiros
e coerentes”. Em entrevista ao jornal VOZ DA VERDADE,
o padre Rossano Sala, sdb, aponta “uma boa iniciação
cristã” para estancar a saída dos
jovens da Igreja.
Qual é a intenção do Papa Francisco
ao colocar os jovens “no centro da atenção”
da Igreja, como escreve na carta de apresentação
do Documento preparatório para a XV Assembleia
Geral do Sínodo dos Bispos?
Ao convocar o Sínodo sobre os Jovens, a Fé
e o Discernimento Vocacional [a realizar no Vaticano,
em outubro de 2018], o Santo Padre está a obedecer
à Igreja, porque o Sínodo não é
inventado pelo Papa; o que acontece é que no final
de cada Sínodo é pedido às conferências
episcopais que indiquem que tema é que propõem
para o Sínodo seguinte.
Na sequência do último Sínodo, em
2015, os padres sinodais indicaram quatro temas. O primeiro,
com maior número de preferências, era sobre
os Jovens, o seguinte sobre os Sacerdotes, o terceiro
a Justiça e a Paz e, por último, o próprio
Sínodo, como instrumento a reformar e a tornar
mais ágil. Este último tema surge por causa
de se saber se é um Sínodo dos Jovens ou
sobre os Jovens. Ora, o Sínodo é dos Bispos
e, por isso, os jovens nunca poderão participar
de uma forma directa, com direito a voto e a ouvir e falar.
Não são padres sinodais, podem estar presentes,
mas não podem participar diretamente. Isto é
que nos leva a querer renovar o instrumento Sínodo.
A escolha do Papa é a escolha da Igreja. A Igreja
quis colocar os jovens no centro e o Santo Padre obedeceu,
com gosto, e por isso confirmou este tema.
Qual é a sua função na preparação
deste Sínodo e como é que tem acompanhado
os trabalhos?
A Secretaria-Geral do Sínodo é o principal
instrumento de acompanhamento da preparação
do Sínodo, especializado nos processos sinodais,
mas não é especialista sobre o conteúdo
de cada Sínodo. Por isso, convida especialistas
nos temas de cada reunião para colaborar. O acompanhamento
que faço, juntamente com outras 15 pessoas, de
várias áreas da Igreja e de várias
nacionalidades, é sobre o estudo e elaboração,
primeiro, do documento preparatório, depois do
instrumento de trabalho e, durante e após o Sínodo,
de preparação do documento final e da Exortação
Apostólica.
Como estão a correr os trabalhos de preparação
do Sínodo?
Os trabalhos estão a correr bem, elaborámos
um documento preparatório, que já circulou
por toda a Igreja e temos recebido respostas boas: não
tivemos vozes críticas e a aceitação
tem sido muito boa. Ainda hoje [sexta-feira, 15 de setembro]
se concluiu um segundo passo desta preparação,
com o fim de um simpósio internacional sobre a
“Condição dos Jovens, a Vida e a Condição
Juvenil”, também organizado pela secretaria
do Sínodo. Foi também um momento importante.
Na sua perspectiva, o que pode mudar na Igreja com este
Sínodo?
Uma das intenções particulares do Santo
Padre passa sobretudo por reflectir sobre este tema do
discernimento, de dar a toda a Igreja este tema, que é
próprio da Congregação dos Jesuítas,
e que tem sido um pouco o fio condutor de todo o magistério
do Papa Francisco. Se olharmos para a Exortação
Apostólica Evangelii Gaudium, vemos que é
um pedido para que a Igreja se coloque em discernimento;
se analisarmos a Exortação Apostólica
Amoris Laetitia, vemos que é um pedido para que
a própria família se coloque em discernimento
acerca da sua situação.
Foi intenção do Papa fazer com que este
discernimento vocacional entrasse no Sínodo sobre
os Jovens, pedindo à Igreja que faça discernimento
em relação aos jovens e pedindo aos jovens
que tenham também esta atitude de discernimento
em relação à própria vida
e à própria atuação civil,
religiosa e eclesial. Por isso, uma das grandes intenções
do Santo Padre é, sem dúvida, promover esta
dimensão do discernimento e, depois, do compromisso.
Além disso, o Sínodo é sempre um
acontecimento na vida eclesial universal, no qual a Igreja
faz discernimento sobre como acompanhar os jovens. O objectivo
do Papa não é só pedir aos jovens
para fazerem um discernimento vocacional, mas também
pedir à Igreja que se interrogue sobre o modo como
tem acompanhado os jovens, e como pode melhorar o acompanhamento
destes jovens, que estão numa fase decisiva das
suas vidas.
Enquanto professor de Pastoral Juvenil, como descreve
a geração juvenil atual? Quais as suas maiores
ameaças?
Os jovens de hoje não são piores nem melhores
do que os das gerações anteriores. São
diferentes, porque vivem num contexto muito diferente:
o contexto da globalização, o contexto de
uma multiculturalidade, o contexto de uma multireligiosidade,
um contexto, enfim, cheio de fragmentações
e de confusões. Daí que, em primeiro lugar,
estes jovens precisem de ajuda para escolher. É
precisamente este o motivo que leva o Papa a dizer que
os devemos ajudar a discernir, para que possam fazer escolhas
Os jovens continuam a ser sensíveis às propostas
de fé, desde que elas lhes sejam propostas e não
impostas. Os jovens de hoje precisam de chegar a uma identidade
própria, mas uma identidade que, antes de mais,
tem de ser uma identidade reconciliada, pois as propostas
são muitas. Precisam de propostas sérias
que os levem à fé e que os levem a uma escolha
definitiva, porque um dos grandes problemas dos tempos
de hoje é a não-existência destas
escolhas definitivas e a possibilidade de estar sempre
a escolher coisas novas. Sabemos que isto, na vida, é
necessário... uma escolha que seja definitiva e
os jovens precisam, por isso, de adultos e responsáveis
que sejam capazes de conquistar a sua confiança,
não se impondo mas conquistando a autoridade, sobretudo
moral, sobre eles.
O problema dos adultos, da Igreja e da sociedade é,
aos olhos dos jovens, o da falta de coerência. A
incoerência afasta-os da Igreja, pois estão
a ver uma Igreja que lhes parece incoerente, uma Igreja
que se calhar está, muitas vezes, cheia de abusos,
não só no campo da sexualidade, mas também
da administração, uma Igreja que não
se mostra pobre, não se mostra próxima dos
pobres. Por isso, os jovens pedem sobretudo à Igreja,
hoje, coerência, regresso ao Evangelho, àquele
que era o original de Jesus Cristo. E quando existem testemunhos
autênticos, verdadeiros e coerentes sentem-se atraídos
por eles.
Em Portugal debatemo-nos muito com o problema de os jovens
abandonarem a Igreja, logo após o percurso normal
de Catequese e do Crisma. O que pode ser feito para contrariar
essa saída?
Bem, quando o jovem entra na adolescência, segue-se
normalmente um período de crise na sua vida. É
normal que seja assim, é bom que assim seja. Se
olharmos para Jesus criança com os doutores da
lei no templo, vemos um Jesus que responde a Seus pais,
dizendo que tinha de se separar deles. Portanto, é
uma separação lógica. Quando se cresce,
chega um momento em que se quer começar fazer as
coisas por si próprio. O grande problema que muitos
países vão tendo, como Portugal, não
é apenas o de jovens que se afastam da Igreja,
mas sim o facto de, muitas vezes, ser a própria
Igreja que se afasta, que não sabe estar próxima
da vida dos jovens, dos locais em que se movimentam normalmente.
Estar próximo dos jovens significa estar lá
nos sítios onde eles estão, como se diz
na terceira parte do documento preparatório [do
Sínodo sobre os Jovens], na escola, na universidade,
no trabalho, mesmo nos momentos de desporto e de lazer.
Uma proximidade que não seja invasiva, mas que
se faz pela positiva. Mais do que nos preocuparmos com
o facto de os jovens abandonarem a Igreja depois da iniciação
cristã, a grande preocupação deve
passar por procurar dar-lhes uma boa iniciação
cristã, uma iniciação que se faça
proposta de vida.
Muitas vezes, pelos estudos sociológicos que são
feitos, verificamos que os jovens nem sempre têm
uma boa recordação destes tempos de iniciação
cristã. Por isso mesmo, é necessário
reflectir e fazer com que a iniciação cristã
seja uma experiência positiva para os jovens, que
os marque e que os faça querer continuar neste
caminho de Igreja.
No documento preparatório do Sínodo, e
como já referiu, é muito sublinhada a importância
do discernimento. Perante um jovem que esteja, neste momento,
inquietado acerca da sua vocação, o que
lhe pode dizer?
O documento preparatório refere, na sua terceira
parte, que o discernimento vocacional não é
um trabalho que se faça sozinho ou acompanhado
por uma pessoa qualquer. O discernimento acontece com
a experiência, experiência de serviço,
experiência de oração, experiência
de voluntariado. Porque aí há contacto com
o outro, sobretudo contacto com o outro pobre, com o outro
necessitado. Esse é o momento central do discernimento
vocacional. São experiências de vida de fé,
são experiências que todos os jovens podem
fazer, ao estilo salesiano, seguindo a proposta que D.
João Bosco fazia aos seus jovens, com aquelas frases
que marcam: "Dá-me uma mão", "preciso
de ti". Isto faz com que o jovem passe da pergunta
"quem sou eu?" para aquela que realmente interessa:
"para quem sou eu?" O que faz com que o jovem
se abandone, saia de si mesmo, do narcisismo, do egoísmo,
e se abra à aventura do encontro com o outro. É
aqui que o discernimento vocacional se faz realmente.
Neste exercício de discernimento, qual o papel
das redes sociais, onde os jovens também estão?
No documento preparatório refere-se a internet
e as redes sociais em dois momentos. No primeiro capítulo
descreve os jovens como uma geração ‘hiper-conectada’
e, na terceira parte, refere-se aos novos lugares da acção
pastoral. As redes sociais são, não só
novos lugares onde se pode fazer pastoral mas, sobretudo,
lugares onde os jovens estão, onde os jovens moldam
a própria personalidade.
Esta questão das redes sociais é, sem dúvida,
uma das grandes preocupações da Igreja,
actualmente. Não só no campo pastoral, que
também é importante, mas também na
forma como estes meios se impõem, muitas vezes
como lugares de imoralidade, e que precisam também
de acompanhamento por parte da Igreja. Os estudos indicam
que as redes sociais não substituem os encontros
pessoais no campo da pastoral, mas que os podem ajudar
a crescer. A religião cristã continua a
ser a religião da Encarnação, não
a religião do Facebook, mas a religião do
“face to face” (cara a cara), de encontro
pessoal, de proximidade. Isto é importante porque
o tema da Encarnação visa sobretudo a bondade
da nossa corporeidade e esse deve ser também um
critério para discernir o uso de redes sociais.
As redes sociais são seguramente um âmbito
em que a Igreja deve estar presente, pois são um
local real onde os jovens vivem, mas estar com prudência
e sabedoria. Deve fazer aí um trabalho de formação,
pois trata-se de um instrumento que não se deve
demonizar nem canonizar, mas estar com prudência
e sabedoria.
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O Padre Rossano Sala, sdb, é especialista em Pastoral
Juvenil e esteve no auditório da igreja de São
João de Deus, em Lisboa, no passado dia 15 de setembro,
para uma conferência sobre o Sínodo dos Bispos
2018, dedicado aos jovens. O evento foi organizado pelo
Serviço da Juventude do Patriarcado de Lisboa e
pela Pastoral Juvenil Salesiana. O texto da conferência
está disponível em português, através
do link: www.juventude.patriarcado-lisboa.pt
Leia também na edição do dia 24 de
setembro do Jornal VOZ DA VERDADE, disponível nas
paróquias ou em sua casa.
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