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A tradição antiga, que
remonta ao séc. II, atribui o texto deste Evangelho
a Marcos, identificado com João Marcos, filho de
Maria, em cuja casa os cristãos se reuniam para
orar (Act 12,12). Com Barnabé, seu primo, Marcos
acompanha Paulo durante algum tempo na primeira viagem
missionária (Act 13,5.13; 15,37.39) e depois aparece
com ele, prisioneiro em Roma (Cl 4,10). Mas liga-se mais
a Pedro, que o trata por «meu filho» na saudação
final da sua Primeira Carta (1 Pe 5,13) Marcos terá
escrito o Evangelho pouco antes da destruição
de Jerusalém, que aconteceu no ano 70.
O Livro
O Evangelho de Marcos reflecte a catequese
que Pedro, testemunha presencial dos acontecimentos, espontâneo
e atento, ministrava à sua comunidade de Roma.
É o mais breve dos quatro e situa-se no Cânon
entre os dois mais extensos Mateus e Lucas e a seguir
a Mateus, o de maior uso na Igreja. Até ao séc.
XIX, Marcos foi pouco estudado e comentado, para não
dizer praticamente esquecido. Santo Agostinho considerava-o
como um resumo de Mateus.
Teologia
Tal como os outros evangelistas, Marcos
apresenta-nos a pessoa de Jesus e o grupo dos discípulos
como primeiro modelo da Igreja.
O Jesus de Marcos. Mais
do que em qualquer outro Evangelho, Jesus, «Filho
de Deus» (1,1.11; 9,7; 15,39), revela-se profundamente
humano, de contrastes por vezes desconcertantes: é
acessível (8,1-3) e distante (4,38-39); acarinha
(10,16) e repele (8,12-13); impõe “segredo”
acerca da sua pessoa e do bem que faz e manda apregoar
o benefício recebido; manifesta limitações
e até aparenta ignorância (13,22). É
verdadeiramente o «Filho do Homem», título
da sua preferência. Deste modo, a pessoa de Jesus
torna-se misteriosa: porque encerra em si, conjuntamente,
um homem verdadeiro e um Deus verdadeiro. Vai residir
aqui a dificuldade da sua aceitação por
parte das multidões que o seguem e mesmo por parte
dos discípulos.
Na primeira parte deste Evangelho (1,14-8,30),
Jesus mostra-se mais preocupado com o acolhimento do povo,
atende às suas necessidades e ensina; na segunda
parte (8,31-13,36) volta-se especialmente para os Apóstolos
que escolheu (3,13-19): com sábia pedagogia vaios
formando, revelando-lhes progressivamente o plano da salvação
(10,29-30.42-45) e introduzindo-os na intimidade do Pai
(11,22-26).
O Discípulo de Jesus.
Este Jesus, tão simples e humano, é também
muito exigente para com os seus discípulos. Desde
o início da sua pregação (1,14),
arrasta as multidões atrás de si e alguns
discípulos seguem-no (1,16-22). Após a escolha
dos Doze (3,13-19), começa a haver uma certa separação
entre este grupo mais íntimo e as multidões.
Todos seguem Jesus, mas de modos diferentes. Este seguimento
exige esforço e capacidade de abertura ao divino,
que se manifesta em Jesus de forma velada e indirecta
através dos milagres que Ele realiza. É
por meio dos milagres que o discípulo descobre
no Filho do Homem a presença de Deus, vendo em
Jesus de Nazaré o Filho de Deus.
Porque a pessoa de Jesus é essencialmente
misteriosa, para o seguir, o discípulo precisa
de uma fé a toda a prova: sente-se tentado a abandoná-lo,
vendo nele apenas o carpinteiro de Nazaré. Por
isso, Jesus é também um incompreendido:
os seus familiares pensam que Ele os trocou por uma outra
família (3,20-21.31-35); os doutores da Lei e os
fariseus não aceitam a sua interpretação
da Lei (2,23-28; 3,22-30); os chefes do povo e dos sacerdotes
vêem-no como um revolucionário perigoso para
o seu “status quo” (11,27-33). Daí
que, desde o início deste Evangelho, se desenhe
o destino de Jesus: a morte (3,1-6; 14,1-2).
Apesar da incompreensão também
manifestada pelos discípulos em relação
aos seus ensinamentos, Jesus não desanima e continua
a ensiná-los (8,31-38; 9,30-37; 10,32-45). O efeito
não foi muito positivo: no fim da caminhada para
Jerusalém e após Ele lhes ter recordado
as dificuldades por que iria passar a sua fé (14,26-31),
ao verem-no atraiçoado por um dos Doze e preso
(14,42-45), «deixando-o, fugiram todos» (14,50).
Este é, certamente, o Evangelho onde qualquer cristão
se sentirá melhor retratado.
Capuchinhos
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