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Da sexta Catequese Quaresmal do Cardeal-Patriarca
de Lisboa
A celebração da Páscoa
envolve toda a nossa vida de povo crente. Celebramos sempre
a Páscoa em todas as circunstâncias: quando
evocamos os principais passos da vida terrena de Jesus;
quando honramos a Sua Santíssima Mãe, a
Virgem Maria; quando honramos os Santos que consideramos
modelos e estímulos de fidelidade; quando intercedemos
pelos mortos pedindo a Deus que os conduza à luz
eterna.
Mesmo quando não celebramos a
Eucaristia e nos reunimos para celebrar outros sacramentos,
para escutar e rezar a Palavra de Deus, para abençoar
em nome de Deus, as pessoas, os acontecimentos e as instituições,
é sempre a Páscoa que celebramos. Desde
que nos tornámos capazes de celebrar a Páscoa,
ela tornou-se a fonte de graça e de luz para a
nossa caminhada cristã, a caminho da Páscoa
eterna. E é em todas essas circunstâncias,
sempre que, como membros do Povo Sacerdotal, imploramos,
oferecemos, louvamos, fazemo-lo tendo como nosso mediador
com o Pai, Cristo nosso Pontífice e nosso Pastor.
Sempre que nos dirigimos a Deus através da Sua
mediação sacerdotal, celebramos a Páscoa,
pois foi nessa celebração que Ele se consagrou
Sacerdote para sempre.
“Fazei isto em Minha memória”
(Lc. 22,19)
O sacrifício cruento de Cristo, a Sua morte violenta
que é dom radical da Sua vida, é irrepetível,
aconteceu uma só vez. Os discípulos e Maria,
que representam toda a humanidade, estão associados
à morte de Cristo, mas a profundidade dessa associação
escapa-lhes. Cristo oferece-se por eles e Ele quis que
eles O oferecessem para a redenção do mundo.
Desta capacidade de O oferecer, só Maria está
consciente. Sem esta associação à
nova humanidade resgatada, a morte de Cristo seria acto
isolado, que se diluiria na memória histórica
como mais uma morte inocente, generosa e corajosamente
aceite.
Para que a Páscoa de Cristo se
torne Páscoa da Igreja, o drama do Calvário
tem de poder ser vivido, tornado presente, na linguagem
simbólica de um sacramento. O Pão que se
torna Corpo de Cristo sacrificado e o Vinho que se torna
o Sangue da nova e definitiva Aliança, tornam-se
o modo próprio da Igreja dar, em todos os tempos,
actualidade àquele sacrifício redentor,
que muda radicalmente o sentido e o destino da humanidade.
Este é o sentido das Palavras de Cristo: “Fazei
isto em memória de Mim”. Este “fazer
memória” é mais do que recordar, não
esquecer; é tornar actual a oferta de Cristo, ao
Pai, para a redenção da humanidade.
A Eucaristia é a Páscoa
da Igreja.
Na Eucaristia oferece-se a nova dimensão
do Corpo de Cristo. Quando o Filho de Deus, segunda
Pessoa da Santíssima Trindade, Se fez Homem no
seio de Maria, uniu a Si toda a humanidade. Mas esta unidade
de toda a humanidade, em Cristo, só se tornará
plena e explícita nos “novos céus
e nova terra”. Mas ela torna-se explícita
naqueles que, pela fé e pelo baptismo, se uniram
a Cristo; eles são a Igreja, que é o “Corpo
de Cristo”. É esse Corpo de Cristo alargado
o novo Povo Sacerdotal, que actualiza, em cada momento
da história, o sacrifício pascal, sob a
forma sacramental da Eucaristia. Esta é a Páscoa
da Igreja; é por isso que só o povo dos
baptizados pode celebrar a Eucaristia. Na Páscoa
da Igreja, Cristo Sumo Sacerdote, que se torna presente
através do sacerdócio apostólico,
oferece-Se pela redenção do mundo e com
Ele, a Igreja Povo Sacerdotal, oferece e oferece-se. É
por isso que ela é sacramento de salvação
para toda a humanidade.
O que é que o Povo Sacerdotal
oferece nessa Páscoa da Igreja? Oferece Jesus Cristo
e o dom da sua vida. Só o Filho pode glorificar
o Pai. Mas oferece-se a si mesma, na sua renovação
de santidade, sob a acção do Espírito
Santo. Toda a vida dos cristãos se torna, então,
“hóstia espiritual”, no dizer da Carta
de São Pedro. Ao oferecer o sofrimento, actualiza
a Paixão de Cristo. Como dizia São Paulo,
“eu completo na minha carne o que falta às
provações de Cristo pelo Seu corpo, que
é a Igreja” (Col. 1,24). Se oferece as alegrias,
exprime a sua participação na ressurreição
do Senhor. Assim a Igreja anuncia, ao oferecer a Sua vida
na Eucaristia, algo de essencial para a salvação:
só se capta o sentido do sofrimento, quando se
oferece. Paulo encontra a alegria no próprio sofrimento
oferecido: Neste momento encontro a minha alegria nos
sofrimentos que suporto por vós” (Col. 1,24).
Na Eucaristia, a Igreja oferece o sacrifício
de Cristo e a sua própria vida pela redenção
dos homens. A Páscoa tem sempre o mesmo sentido:
ser fermento da salvação da humanidade.
Presente no mundo, a Igreja sente e sofre uma humanidade
que precisa de redenção. Na Eucaristia acredita
que só Cristo é o Redentor. A Eucaristia
é missão.
Em cada Eucaristia, a Igreja reaviva
o desejo da Páscoa eterna e sente-se peregrina
do Reino dos Céus. Cristo glorioso, seu sacerdote
e seu Pastor, hoje glorioso à direita do pai, está
a atraí-la para essa etapa definitiva, ajudando-a
a transformar a sua fé em esperança viva
e em caridade ardente.
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