|
Contra o poder do dinheiro
É um pouco difícil para nós, que
vivemos numa civilização tão diferente,
termos uma ideia certa do que podia ser a esfera de acção
de um popular missionário da Idade Média.
Quando entrava numa cidade, tudo caía sob a sua
influência. Em poucas palavras: desde as rivalidades
dos partidos até aos contrastes entre o clero;
das discórdias familiares às dúvidas
dos intelectuais; das condições das penitenciárias
aos estatutos administrativos... Era ponto de referência
de tudo.
Santo António também teve que se adaptar
a fazer um pouco de tudo, para o bem de todos e para que
o Evangelho pudesse irradiar, animar e transformar pessoas
e estruturas. Numa época em que a maioria do povo
vivia da agricultura, da criação de ovelhas
e da pesca, só uma minoria se dedicava às
actividades de artesanato, ainda pouco desenvolvido, e
abria as portas ao desenvolvimento económico da
Europa, através do comércio. Isto é:
estava-se criando, especialmente em certas zonas de Itália
com mais riquezas, uma espécie de economia pré-capitalista.
Existia um pequeno mas activíssimo mundo de negócios,
o dinheiro circulava, começava a actividade dos
usurários.
Foi contra estes últimos, tão potentes quanto
odiados, que o nosso Santo combateu a sua batalha de homem
do Evangelho. É famoso o milagre que ele fez quando,
chamado para pregar um sermão durante o enterro
de um avarento, mostrou que o coração daquele
desgraçado não se encontrava no seu lugar
normal, mas no cofre, no meio do seu adorado dinheiro.
O defensor dos oprimidos
Foi o defensor dos pobres, desafiando abertamente os opressores.
Eis o testemunho de um seu contemporâneo: “António,
que tão avidamente tinha desejado morrer mártir,
não cedia diante de ninguém, nem mesmo se
isso lhe custasse a vida. Com admirável impavidez
resistia à tirania dos grandes. Desafiava com tão
grande veemência personagens de renome que outros
pregadores, mesmo famosos, tremiam pela sua coragem e,
cheios de medo, procuravam fugir para bem longe”.
Este era Santo António: não um santo fechado
na paz tranquila da sua cela, vivendo entre volumes de
valor histórico e famosas teorias, mas o homem
que possuía o culto da verdade acima de tudo, alternando
doçura e inflexibilidade conforme as diferentes
situações. Não tinha medo de ninguém
e não se deixava levar por cálculos covardes
quando devia defender os oprimidos.
É suficiente lembrar só um episódio:
o encontro com o famigerado tirano Ezzelino de Romano.
A lenda enfeitou muito o facto, alterando os dados históricos.
Ezzelino era uma grande personalidade. A sua imagem, porém,
ficou manchada por incontáveis delitos. Os seus
rivais não eram diferentes dele: a facção
dos guelfos era ambiciosa e sanguinária, tanto
ou mais que a facção dos guibelinos (a que
pertencia Ezzelino) quando se lhes oferecia a ocasião.
Infelizmente, a nada serviu a audácia do Santo:
o tirano ficou abalado só por um momento; pois
as razões políticas voltaram a sufocar novamente
as razões da bondade e da justiça.
Vergílio Gamboso
|
|