Mudança de paradigma
As consequências da crise sobre as famílias
com desempregados ou endividadas preocupam seriamente
a Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP),
que dedica a sua mensagem de Quaresma de 2009 às
questões levantadas pela actual situação
económica.
“Há motivos para nos preocuparmos com o futuro
da nossa economia e, consequentemente, com as condições
de vida no nosso país, que já se traduzem
em novas situações de pobreza e precariedade”,
pode ler-se na mensagem.
“Na crise, viver a esperança e fortalecer
a solidariedade, construindo um mundo melhor – uma
responsabilidade de todos nós” é o
lema que dá o mote à reflexão, que
se estende ao longo de mais de uma dezena de páginas.
A CNJP manifesta o temor de que se verifique “o
alastramento do desemprego e do emprego precário,
pela insuficiência de novos investimentos e de novas
oportunidades de emprego”.
A mensagem lembra os “despedimentos massivos por
parte de empresas que procuram fazer face à crise
por via da redução do pessoal, deslocalização
ou encerramento da sua actividade por não verem
condições de viabilidade económico-financeira
que lhes permitam sobreviver à crise”.
“De notar que, em alguns casos, se recorre, abusivamente,
ao despedimento apesar de os accionistas terem meios financeiros
suficientes para o evitar”, acusa a Comissão.
“A eventual perda de rendimento das famílias
onde exista um ou mais desempregados constitui, só
por si, um novo risco de pobreza das famílias e
de agravamento do nível de endividamento já
elevado, além de se repercutir no nível
da procura interna e seu efeito sobre produção
nacional”, prossegue a reflexão.
Para além da “face sombria da crise”,
a CNJP considera que esta pode e deve ser acolhida também
“como um feixe de oportunidades”, desde logo,
“porque torna mais evidente a urgência de
uma nova arquitectura do sistema financeiro mundial”.
Nesse sentido “importa reconhecer que, tanto nas
causas como nos efeitos, a presente crise mundial é
económica, mas também política, civilizacional,
ambiental, moral e espiritual”, defendendo a importância
de mobilizar energias e a experiência adquirida
com a crise para ousar alterar as causas profundas da
situação”.
Uma mudança de paradigma não se alcança
sem um longo e persistente percurso de crítica
e construção de alternativas, de aprofundamento
do conhecimento adquirido e experimentação
de novas formas organizacionais da economia e da sociedade,
enfim, da modificação dos quadros culturais
vigentes.
Por isso, consideramos urgente:
• • Promover o debate entre especialistas,
quer profissionais quer académicos, envolvendo
também as organizações da sociedade
civil mais directamente interessadas, sobre possíveis
vias alternativas para uma outra arquitectura financeira
a nível mundial, que melhor possa servir os países
em diferentes estádios de desenvolvimento e diferentes
orientações de política económica.
• • Encorajar tomadas de posição
da sociedade civil quanto a alguns aspectos que carecem
de reforma urgente, por exemplo, advogando o fim dos paraísos
fiscais e de produtos financeiros de elevado risco, uma
actuação que contrarie a excessiva concentração
do poder económico, a revisão das regras
de rating e exigência de independência dos
seus agentes.
• • Proceder à avaliação
do sistema financeiro nacional e das medidas já
em vigor ou anunciadas, sua eficácia e equidade,
detecção de erros ou lacunas, tendo sobretudo
em atenção os que mais sofrem os efeitos
da crise.
• • Apresentar propostas inovadoras no domínio
da fiscalidade para, por exemplo, acentuar a progressividade
da tributação sobre os rendimentos, alargar
as fontes de financiamento da segurança social,
na linha do já em tempos estudado na União
Europeia, por via de incidência sobre o valor acrescentado,
deixando de penalizar sobretudo quem mais emprega.
• • Fomentar a solidariedade para minorar
as dificuldades dos mais atingidos pela crise, para além
do que é função específica
das IPSS ou das Autarquias (que devem ser responsabilizadas
pela forma como actuam no âmbito das Redes Sociais),
através da partilha do tempo de trabalho, da criação
de empresas de economia social, da não acumulação
de empregos, salvo em caso de necessidade, etc.
• • Denunciar práticas abusivas de
empresas que, sem motivo bem justificado, despedem os
seus trabalhadores.
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