Paróquia de Santo António dos Cavaleiros
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Homilia do Cardeal Patriarca de Lisboa no Domingo de Ramos

"Quem dizem os homens que Eu sou"

1. Com a Sua entrada triunfal em Jerusalém, de que a Liturgia faz hoje memória, Jesus quer afirmar claramente a Sua identidade messiânica, perante os discípulos, perante a multidão que tantas vezes O tinha seguido, perante as autoridades religiosas, que O vão julgar e condenar. No Seu momento decisivo, a Sua hora, era importante que todos tomassem uma posição acerca da Sua identidade messiânica; era importante que ficasse claro que Ele ia ser julgado e condenado porque se considerava o Messias. Essa vai ser a questão central do Seu julgamento: “Disse-Lhe o Sumo Sacerdote: intimo-Te pelo Deus vivo que nos declares, sob juramento, se Tu és o Messias, o Filho de Deus” (Mt. 26,63).
Foi também esta a questão que Jesus tinha posto aos doze, em Cesareia de Filipe: “Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?” “E vós quem dizeis que Eu sou?” A resposta de Pedro, “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (cf. Mt. 16,13-16) tinha-se tornado interrogação para a multidão, era rejeitada pelas autoridades, porventura não tinha anulado todas as dúvidas e hesitações no coração dos próprios discípulos. “Quando Jesus entrou em Jerusalém, toda a cidade ficou em alvoroço. Quem é Ele? perguntavam” (Mt. 21,11).
Para a Igreja, em cada ano que celebra a Páscoa, é importante confrontar-se com esta questão: quem é Jesus Cristo? É que a Páscoa encerra a nossa verdade mais profunda, de quem somos, o que é a nossa vida, de que é que precisamos para ser libertos, qual é o sentido radical da nossa existência. Jesus Cristo é ou não decisivo para a resolução definitiva da nossa vida, da vida dos homens de todos os tempos? Tal como Jesus, com a Sua entrada em Jerusalém, quis provocar a cidade a tomar uma posição a Seu respeito, e este é o enquadramento do drama da Paixão, para tudo recomeçar na surpresa da ressurreição, assim a Igreja, com esta Liturgia do Domingo da Paixão, nos interpela a tomar uma posição clara e actual, neste momento da nossa vida, sobre a questão: quem é para mim Jesus Cristo? Essa resposta acompanhará e influenciará o modo como vamos percorrer com o Senhor, em Igreja, a memória da Paixão e da Ressurreição.

2. Jesus provoca os habitantes de Jerusalém a tomarem posição sobre a Sua qualidade messiânica e a compreenderem que as profecias e a promessa se tinham cumprido n’Ele. Mas que Messias? Sabemos que no tempo de Jesus havia no povo israelita três tradições, três modos de conceber o Messias esperado, cada uma delas sugerindo os sinais que levariam a identificá-l’O, quando ele viesse: o messianismo real, segundo o qual o Messias, descendente de David, seria o Rei de Israel, Rei poderoso e justo, que libertaria o Povo dos seus opressores e o conduziria à verdadeira terra prometida; o messianismo escatológico, acentuado durante o cativeiro em Babilónia, em que o Messias seria uma figura misteriosa, vinda directamente do Céu, aparecendo sobre as nuvens como um “Filho do Homem”, reuniria o “resto fiel de Israel”, e inauguraria o tempo definitivo. Esta visão do Messias como um “Filho do Homem” celeste, misturava-se com a visão daqueles que identificavam a vinda do Messias com o regresso de um grande profeta, sobretudo Elias, ou simplesmente o Profeta, prometido por Deus a Moisés. E, finalmente, havia uma terceira tradição, um messianismo de mediação, segundo a qual o Messias assumiria a missão de servo, carregando sobre os ombros os pecados de todo o Povo e oferecendo-se em sacrifício por todos eles. É sobretudo o Profeta Isaías, com uma visão teológica mais profunda do que devia ser a restauração de Israel, quem traça e anuncia a fisionomia do Messias Servo, sofredor e redentor.
Na realidade das correntes teológicas e espirituais existentes em Israel, estas três visões do Messias excluíam-se mutuamente. Mas Jesus em todo o Seu ensinamento e, de uma maneira muito clara, nesta semana decisiva, quis mostrar que n’Ele se cruzavam e realizavam as três dimensões messiânicas: Ele é o Rei de Israel, prometido a David e à sua descendência; Ele é o “Filho do Homem Celeste”, vindo de junto de Deus, enviado pelo Pai; Ele é o Servo sofredor, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a Sua vida como resgate da multidão (cf. Mc. 10,45). A junção, na Sua missão messiânica, destas três tradições, abre-nos para o verdadeiro sentido da promessa de um Messias salvador. Define a Sua realeza: “o Meu reino não é deste mundo”; a afirmação paradoxal do Seu triunfo é a Cruz, expressão dramática do amor de Deus pelos homens; a Sua glória não é aquela que se exprime nas honras do mundo, mas a que tem como Filho de Deus, que O enviou do Céu, fazendo-Se homem por nosso amor. Sempre que o messianismo davídico se pode reduzir a uma missão temporal e confundir-se com as honras deste mundo, Jesus rejeita-o. Prefere chamar-se a Si o “Filho do Homem”, que Lhe lembra a Sua origem no coração de Deus, e a plenitude da vida em Deus, que Ele quer comunicar aos que acreditaram n’Ele. Esta maneira de Jesus conceber a Sua missão messiânica fica clara na resposta que dá ao Sumo Sacerdote sobre a questão central: diz-me se Tu és o Messias. “É como disseste. Aliás, Eu vo-lo digo, vereis doravante o Filho do Homem sentado à direita do Todo-Poderoso e vir sobre as nuvens do Céu” (Mt. 26,64). Ou seja, Eu sou o Messias esperado, em todas as compreensões acerca d’Ele, que as tradições do nosso Povo nos legaram.

3. Mas a questão que a Liturgia apresenta à Igreja, ao iniciar a celebração anual da Páscoa, é mais vasta e exigente, e não podia ser posta assim à população de Jerusalém. A questão crucial é esta: acreditas que Cristo ressuscitou dos mortos, e que na Sua ressurreição tudo começou de novo? Acreditar em Jesus Cristo não é escolher uma das três interpretações messiânicas; é acreditar na Sua ressurreição e na transformação radical da nossa vida em Cristo ressuscitado. Há uma diferença em relação ao tempo dos acontecimentos bíblicos de que fazemos memória: porque se declarou o Messias, foi o próprio Jesus que foi julgado e condenado; ao declará-l’O vivo, porque ressuscitou dos mortos, somos nós que seremos julgados e muitos foram condenados. A coerência do testemunho à verdade, manifestada por Jesus, prolonga-se na coerência da fé da Igreja e na coragem da sua fidelidade.
É esta a questão central que nos vai acompanhar durante toda a celebração pascal: acreditas que Cristo está vivo, porque ressuscitou dos mortos? A pergunta vai ser-nos explicitamente colocada na Vigília Pascal; será vida nova experimentada, na coerência da fé e na beleza do amor, em Quinta-Feira Santa; será questão silenciosa a rasgar o nosso coração, na meditação da Paixão do Senhor.
Não significa relativizar na resposta a esta pergunta crucial que nos é posta em cada Páscoa, as tradições messiânicas do Antigo Testamento. Trata-se, sim, de tomar consciência de que o Salvador prometido é Jesus Cristo, morto e ressuscitado; que a Sua realeza é o triunfo do amor de Deus e da Sua vontade; que a Sua glória é a comunhão trinitária que quer partilhar connosco; que o Seu nome é “Senhor”. Trata-se de exultar, porque Ele nos reconduziu à vida e que ser Povo de Deus, é identificar-se com Ele, ser o seu Corpo; que implantar o reino messiânico é segui-l’O como discípulos, e partilhar da Sua própria vida. Que o único triunfo que com Ele queremos partilhar é o triunfo sobre o pecado, em todas as suas expressões; é o triunfo da vida e do amor.

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca.

 

 
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